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Irma Flaquer Azurdia
16 de outubro de 1980

Caso: Irma Flaquer Azurdia



Investigação anterior:

1 de setembro de 1997
June Erlick

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16-01-2009


RESUMO

Na tarde de 31 de janeiro de 1980 a embaixada da Espanha na Cidade da Guatemala era invadida por camponeses militantes que incendiaram o prédio. Mais tarde, o embaixador espanhol, que sobreviveu ao ataque, culparia o Exército pelo incidente e faria com que seu país cortasse relações com a Guatemala. Um único camponês sobrevivente foi raptado de seu leito de hospital e assassinado. Ninguém nunca foi punido. Este foi um dos exemplos de impunidade da década de 80.

Irma Flaquer Azurdia, colunista, escritora e por vezes jornalista de rádio, estava parada com seu gravador entre repórteres e observadores que foram testemunhas do ataque. Ela gravou todo o incidente, incluindo os sons do Exército quebrando portas, vidraças e gritando o rdens de invadir o prédio da embaixada. Vendeu a fita a uma estação de rádio européia. Amigos e familiares relataram que ela havia ficado revoltada com o que acontecera na embaixada.

Mas na América Central dos anos 80 ninguém estava imune à violência. Na Guatemala, muitos pensavam que as reportagens sobre massacres e assassinatos fossem exageradas, ou que estes fossem obra de assassinos comuns. Outros viam a violência como uma tentativa infeliz, porém necessária, de livrar o país dos "terroristas comunistas".

Quando Flaquer foi seqüestrada e seu filho assassinado, em 1980, os jornais, como era sua obrigação, colocaram a estória na primeira página. Citaram protestos feitos pela Câmara dos Jornalistas da Guatemala, a Associação dos Jornalistas da Guatemala e a Associação dos Estudantes da Universidade San Carlos. Citaram o porta-voz da presidência Carlos Toledo Vielman.

Mas a imprensa não se sentiu na liberdade de realizar uma investigação. Ninguém publicou reportagens com testemunhas do ocorrido ou tentou interrogar os médicos que operaram o filho ferido de Flaquer. A estória desapareceu da imprensa depois de alguns dias. Jornalistas da época confessam que temiam ir além das declarações oficiais.

Ninguém nunca foi formalmente acusado, levado a julgamento ou punido pela morte de Fernando Valle Flaquer e pelo desaparecimento de Flaquer.

Ninguém pode ser punido agora devido à anistia relacionada aos crimes cometidos antes de 1985. A Guatemala, talvez devido à sua guerra civil, tomou um caminho diferente de seu vizinho Honduras, onde 14 oficiais militares foram acusados de violações de direitos humanos cometidas nos anos 80.

Um cidadão guatemalteco, Edgar Alfredo González Martínez, entrou com um processo civil contra cinco ex-chefes de Estado, incluindo Romeo Lucas García, que era o presidente na época do desaparecimento de Flaquer. González está pedindo 30 anos de prisão e uma indenização de US$ 300 milhões por perdas e danos às famílias das pessoas assassinadas ou mortas em massacres durante esses regimes.

O CASO

Em 16 de outubro de 1980, Irma Falquer foi ao aniversário de seu neto Fernando, de quatro anos. Amigos dizem que a visita era também um adeus a seu filho Fernando e à sua nora, Mayra Rosales. Ela planejava partir para a Nicarágua no dia seguinte. Segundo um parente, na volta ela e Fernando passaram rapidamente no apartamento de Flaquer, uma parada que pareceu importante para ela.

A mais ou menos um quarteirão do apartamento, dois veículos interceptaram seu carro, um pela frente e um por trás. Fernando foi atingido com um tiro na cabeça. Enquanto Flaquer gritava "Um médico para meu filho, um médico para meu filho", foi puxada para fora do carro, amordaçada e jogada dentro de um dos carros. O veículo, descrito como um Jeep ou caminhonete, partiu.

O sangue encontrado no assento do carro era provavelmente de Flaquer porque era diferente do tipo sangüíneo de seu filho. Fernando morreu horas mais tarde, no hospital. Flaquer nunca foi encontrada, morta ou viva.

Apesar de vários jornalistas, líderes trabalhistas, professores e estudantes terem sido mortos no que os guatemaltecos denominam os "tempos negros", Flaquer foi a primeira mulher branca, profissional e de classe média a desaparecer e, supostamente, a ser morta.

Em 1970, uma granada de mão foi lançada em seu carro, ferindo-lhe a mão com a qual escrevia, danificando sua audição e deixando estilhaços em todo seu corpo, extraídos após várias operações.

Ela escreveu um livro como resultado do que os guatemaltecos chamam de "o bombardeio".

Com o título de "A las 12:15, El Sol", o livro é uma surpreendente ode ao perdão. No prólogo, dedicado a "Meu querido assassino", ela escreve, sobre seus agressores: "Eu lhes fiz mal, muito mal. A violência dos meus artigos jornalísticos fizeram que vocês desejassem minha morte. Eles provocaram mais violência do que a que vocês já haviam sofrido e lhes transformaram em assassinos. Talvez vocês não devessem se sentir culpados, porque freqüentemente aqueles que são possuídos pelo ódio são apenas vítimas das circunstâncias de suas vidas. Um produto de circunstâncias adversas. Porque devido à sua própria dor, eles se transformam em causadores da dor de outros".

Segundo relatos de vários jornalistas, ela chegou ao Congresso uma manhã com o livro nas mãos para visitar o congressista Oliverio Castañeda, supostamente o líder de vários esquadrões da morte durante a década de 70. Flaquer leu para ele o prólogo de seu livro, começando com a declaração: "Como você vê, eu perdoei meu assassino".

Dezesseis anos após seu desaparecimento, amigos, colegas e mesmo ex-inimigos políticos se lembram das longas unhas de Flaquer e de suas pernas magras. Falam sobre sua coruja de estimação e sobre seu cachorrinho. Fazem conjecturas sobre como ela foi se tornando cada vez mais radical conforme as portas de protesto convencional foram se fechando, umas após outras, na sua cara. Perguntam-se o porquê de ela não ter abandonado o país apesar das repetidas ameaças que recebeu. E se lembram de sua escrita sarcástica e de sua penetrante inteligência. Foi impossível calar Flaquer.

Um véu de silêncio envolveu por muitos anos o desaparecimento de Flaquer. Falar sobre seu rapto, insinuar envolvimento militar, ou mesmo lembrar-se dele, poderia ser perigoso. E nos primeiros anos, pelo menos, havia sempre a esperança de que ela aparecesse. Acusações poderiam colocar sua vida em risco, se de fato ainda estivesse viva.

Entender a vida e a provável morte de Flaquer é entender a violência institucional que sufocou as vozes e eventualmente deu fim às vidas de tantos jornalistas e de outros durante a década de 80. É nas palavras de Ronalth Ochaeta, diretor do Escritório Episcopal de Direitos Humanos, "uma maneira de devolver a dignidade à nação. Se não há história, não há presente. E se não há presente, não há futuro."

ATIVIDADES PROFISSIONAIS

Flaquer nasceu em 1938. Seus pais eram Fernando Flaquer e Olga Azurdia; ele um produtor de teatro catalão, de operetas e zarzuelas; ela uma promissora cantora de ópera guatemalteca. Flaquer passou a maior parte de sua infância no exterior e na estrada, viajando com seus pais pelos locais onde se apresentavam, na América Central e América do Sul. Indo de um país a outro, teve muito pouca educação formal e viu de perto a miséria e a pobreza da região. Viveu também vários anos no México, onde ideais teóricos da revolução mexicana ainda eram fortes.

Quando voltou à Guatemala era uma jovem mulher. Tinha bastante conhecimento do mundo para uma jovem, e muito bonita, guatemalteca. Logo conheceu Fernando, um promissor arquiteto. Casaram-se e tiveram dois filhos, Fernando e Sergio. Mas logo se separaram.

Ela manteve um bom relacionamento com seus filhos, apesar de estes sempre terem morado com o pai e os avós.

Flaquer começou a trabalhar como jornalista freelance, se sustentando com os artigos que escrevia e como comentarista de rádio. Estava sempre em busca da verdade. Um artigo em particular cujo conteúdo ninguém consegue se lembrar, enfureceu tanto um político que ele enviou três mulheres para linchá-la.

Ferida e ensangüentada, Flaquer apareceu na porta do La Hora. Tinha ouvido falar do editor Clemente Marroquín, e queria que ele tirasse fotos de seu corpo e documentasse seu linchamento. Segundo sua filha, Maria, Marroquín contratou Flaquer na mesma hora.

Ela começou com uma coluna chamada "Lo que otros callan" (O que os outros calam), na qual expunha a corrupção política, a opressão dos povos indígenas e a difí cil situação dos pobres.

Ela chamava Marroquín de avô, assim como seus filhos. Quando ele se tornou vice-presidente, ela se tornou secretária de imprensa de Sara de Méndez Montenegro, esposa do presidente Julio César Méndez Montenegro, líder do Partido Revolucionário.

O Partido Revolucionário era de centro-esquerda. Flaquer esperava que, sendo uma ativista, pudesse ajudar a resolver os problemas sociais do país. Continuou a escrever sua coluna para o La Hora.

Entre 1966 e 1970, viajou com freqüência, tanto como jornalista quanto como membro do Partido Revolucionário, para a região do leste da Guatemala. Fez expedições ao longo do Rio Montagua em um barco a motor para tirar fotografias de corpos que boiavam nas águas.

Mostrou as fotos de corpos inchados aos funcionários do governo na Cidade da Guatemala, entre eles o ministro da Defesa Rafael Arriaga Bosque. Insistiu que as vítimas não eram da guerrilha, mas membros do Partido Revolucionário. Em seu típico modo sarcástico, pediu que os funcionários tivessem a decência de atirar em seus adversários políticos, ao invés de golpeá-los até a morte.

Em 1970, após o ataque de granada contra Flaquer, Méndez Montenegro deu-lhe dinheiro para que se exilasse em El Salvador. Ela voltou um mês depois, d i zendo que não conseguiria viver fora da Guatemala. Começou a escrever sua coluna no La Hora, iniciou seu trabalho como secretária de imprensa e começou a estudar na Universidade dos Jesuítas Rafael Landivar.

Seu professor, o padre jesuíta Carlos Amann, se recorda dela como uma aluna brilhante e combativa, que entenderia que não havia nascido para ser advogada. Decidiu estudar psicologia e se formou. Teve um consultório particular durante aproximadamente um ano, mas fechou-o quando percebeu que estava apenas atendendo "aos ricos com neuroses".

Pouco depois do ataque de granada, Flaquer foi trabalhar com Carlos Girón Lemus, no La Nación, onde posteriormente se tornaria editora assistente. Por um curto período, teve sua própria revista, que era impressa no La Nación.

Em seus escritos da década de 70, Flaquer enfocava as noções de pacifismo versus violência, e o modo de pôr os direitos humanos acima de qualquer coisa. Era às vezes chamada de esquerdista, mas não era fácil rotular suas colunas.

Suas colunas mais fortes fornecem nomes e acusam funcionários do governo de corrupção, viagens excessivas e outros tipos de abusos. Mas ela não tinha medo de pedir desculpas. Em uma coluna, por exemplo, admitiu que sua informação não estava correta no caso de um escândalo envolvendo um congressista. Uma outra jornalista, que pediu que seu nome não fosse revelado, acredita que o evento foi "a gota d’água".

Uma coisa era escrever colunas agressivas, outra danificar a reputação da Guatemala no exterior.

Sempre foi difícil dizer com precisão quais eram suas crenças políticas: ela sempre ficou ao lado da justiça, mas não necessariamente na esquerda ou direita. Tinha amigos em todos os segmentos do espectro político, e estes eram mais do que apenas contatos jornalísticos.

Mantinha, por exemplo, uma amizade com o arcebispo Mario Casariego, um prelado conservador mais conhecido por uma fotografia na qual está benzendo carros da polícia doados à Guatemala pelos Estados Unidos. Era também muito amiga do ministro do Interior Donaldo Alvarez, um colega da escola de seu ex-marido e mais tarde amigo íntimo de sua irmã. Flaquer contou a um amigo que o chefe de polícia Valiente Téllez chegou a lhe dar uma arma com a qual se defender.

Amizades com pessoas influentes faziam com que se sentisse imune. Ela talvez tenha se sentido protegida porque ocupava três posições governamentais. Através de suas conexões com o governo, foi diretora substituta da companhia elétrica e membro da comissão do ministério do Interior sobre política de crime e prevenção de delinqüência juvenil. Trabalhou também como psicóloga para o sistema penintenciário.

Amigos e colegas afirmam que ela não pensava que trabalhar para o governo fosse uma contradição.

Com o aumento generalizado da violência em 1980, Flaquer foi ficando cada vez mais preocupada. O sistema parecia estar se fechando, mas ela ainda acreditava que podia fazê-lo funcionar. Em dezembro de 1979, fundou a primeira Comissão de Direitos Humanos da Guatemala, escolhendo amigos e conhecidos que representariam a posição do meio. Entre os membros encontrava-se o líder trabalhista Israel Márquez e o coronel aposentado José Luis Cruz Salazar.

Em julho a Comissão de Direitos Humanos se dissolveu e vários membros se exilaram. Muitos deles, incluindo Flaquer, haviam recebido ameaças anônimas de morte por correio ou telefone.

Flaquer disse que informou Carlos Toledo Vielman, secretário de informação do presidente militar general Romeo Lucas García, sobre as ameaças. "Ele me disse para ter cuidado", contaria mais tarde a um colega.

Flaquer escreveu uma coluna provocadora para o La Nación em 19 de julho de 1980, anunciando a dissolução da comissão de direitos humanos. Olhando para trás, alguns amigos e colegas vêem que essa coluna foi a gota d’água. Para Flaquer, que insistiu em escrever o que outros não ousavam dizer, parece que havia várias gotas d’água.

Nessa coluna, ela escreveu de sua profunda sensação de impotência, frustração e mesmo vergonha diante da dissolução da comissão de direitos humanos. Lamentou que a Guatemala estivesse passando por uma crise social, de quase desrespeito pelos valores mais básicos que nos distinguem, ou que pelo menos deveriam nos distinguir, dos animais sangüinários.

Flaquer condenou a "exagerada violência social" que paralisou os esforços da comissão em defender os direitos humanos na Guatemala. Avisou que o fim do grupo contribuía para aumentar a confiança daqueles que, com total impunidade, assassinaram centenas de pessoas.

Essa foi uma das últimas colunas de Flaquer. Nesse mesmo mês, o chefe de redação do La Nación, Girón Lemus, pediu-lhe que deixasse temporariamente de escrever. Disse-lhe que ela estava colocando não apenas sua vida em risco mas também a vida de seus colegas. O prédio do jornal havia sofrido ameaça de bomba; outras pessoas ainda estavam recebendo ameaças de morte.

Flaquer continuou a dar declarações para o rádio. Algumas fontes dizem que sua voz estava disfarçada, mas a inteligência militar a reconheceu. Havia sido silenciada pela imprensa escrita, mas continuava a falar. Foi avisada que perderia seus cargos no governo se não se moderasse. E replicou: "Eu não posso ser comprada. Façam o que quiserem".

Em agosto, ela deu uma entrevista a Shirley Christian, na época repórter do The Miami Herald.

"Se você quer defender a dignidade do ser humano, nesse país, eles dizem que você é comunista. Eu sou tão comunista quanto Jimmy Carter, mas aqui, gostar de Carter ao invés de Reagan significa que você é de esquerda", disse a Christian, e acrescentou: "O certo é que a Guatemala vai explodir, mais cedo ou mais tarde, não importa quem seja o presidente dos Estados Unidos".

Christian diz que checou as citações de Flaquer com ela novamente para confirmar que seu nome seria publicado. Flaquer insistiu que queria que este aparecesse na entrevista.

As ameaças de morte dirigidas a Flaquer continuaram. No final de a gosto, ela decidiu partir. Ligou para seu ex-professor, o padre Carlos Amann, que havia se tornado professor na Universidade Central Americana de Manágua, e pediu sua ajuda. Ele se lembra que ela falava sem parar de ameaças de morte, sobre os horrores de estar encurralada, sobre estar fechada em seu apartamento. Disse que se saísse os militares a matariam. Tentou acalmá-la, porque pensou que os telefones podiam estar grampeados. Ela continuou falando. Finalmente, disse-lhe que iria encontrar um lugar para ela ficar e que ligaria no dia seguinte.

Amann procurou Violeta e Mario Carpio, amigos guatemaltecos de Flaquer que estavam exilados na Nicarágua. Eles disseram que iriam lhe providenciar hospedagem por dois anos ou mais, até que ela conseguisse um emprego.

Enquanto isso, a própria Flaquer havia ligado para Violeta de Carpio, pedindo ajuda. De Carpio se recorda que Irma parecia extremamente angustiada e atormentada. Disse-lhe que fosse a seu encontro imediatamente, mas nunca mais teve notícias dela.

Por volta da mesma época em que Flaquer estava ligando desesperadamente para a Nicarágua, ela pediu um encontro com o ministro do Interior da Guatemala, Alvarez. Algumas fontes lhe haviam dito que ele havia recebido um relatório do Comando Geral Presidencial (Estado Maior Presidencial), a inteligência executiva e o corpo militar, no qual seu nome aparecia. Ela queria saber o que o relatório dizia.

Alvarez confirmou o recebimento do relatório, mas disse que ainda não o havia lido. Flaquer perguntou se ela deveria ficar na Guatemala ou partir.

Ele respondeu: "Olha, Irma, se eu lhe disser para deixar o país, você vai dizer que o ministro do Interior botou você pra fora. Se eu lhe disser que fique, e algo acontecer, você vai dizer que eu não a avisei. Você tem que tomar essa decisão, é uma decisão pessoal".

Ela disse a Alvarez que não tinha o dinheiro para a viagem. Segundo três diferentes fontes, Alvarez lhe deu um cheque. Flaquer reclamou quando viu a quantia. "Você está me dando dinheiro suficiente pra partir, mas não para voltar". Segundo uma funcionária, que confirmou que a versão que Alvarez lhe contou condiz com a que Flaquer contou a um amigo, Alvarez então rasgou o cheque, e preencheu outro com o dobro da quantia.

Como Flaquer não chegava na Nicarágua,Amann telefonou-lhe na Guatemala. Ela desabafou no telefone: "Eles vão me matar. Mas eu tenho dívidas, e tenho que me despedir dos amigos. Você pensa que é fácil partir, mas não é, não. Tenho algumas coisas a fazer antes de ir".

Amann disse que não perguntou quem eram "eles"; pelo contexto da conversa, supôs que fossem os militares. Essa foi a última vez que falou com ela.

Havia uns homens parados em frente a seu apartamento, no centro da Cidade da Guatemala. Ela gostava de mostrá-los aos visitantes. Por um lado sentia medo; por outro, recusava-se a se deixar intimidar.

Uma semana antes de Flaquer ser seqüestrada, Alvarez ligou para seu ex-marido, Fernando Valle, e lhe disse que avisasse Flaquer para sair do país imediatamente. Alvarez disse a Valle que ela tinha um passaporte e a passagem e que não deveria mais perder tempo.

Nesse mesmo dia, Flaquer telefonou para Valle. "Existem rumores de que nosso filho Fernando foi seqüestrado", disse-lhe. "Não preste atenção a eles. Confirmei com minhas fontes que isso tudo são mentiras para me fazer sair do apartamento. Se eu sair, eles vão me matar."

Valle contou a Flaquer sobre a ligação de Alvarez. Ela lhe disse que estava esperando um contato com o "pessoal de lá". Ele insistiu que partisse imediatamente.

FORÇAS SUPERIORES

O ministro Alvarez havia dito ao ex-marido de Flaquer que os assassinos eram "forças mais poderosas do que ele", segundo Valle e pelo menos duas pessoas que trabalhavam com ele. Alvarez provavelmente sabe quem estava por trás do seqüestro e suposto assassinato de Flaquer, mas a SIP até agora não conseguiu localizá-lo. Há rumores de que mora nos Estados Unidos, na região da Baía de São Francisco.

Segundo Jennifer Schirmer, especialista em assuntos militares da Guatemala na Universidade de Harvard, Alvarez fazia parte do círculo de elite que aprovava semanalmente as listas de mortos. Os outros membros do Centro de Coleta de Informação e Operações eram o chefe da Policia Nacional Germán Chupina; chefe de segurança internal, coronel Héctor Montalbán Batres, o próprio Lucas García, e os chefes dos serviços de inmigração e inteligência.

As constantes ameaças de morte e a vigilância, assim como o pedido de Alvarez a Valle para que Flaquer deixasse o país, parecem apontar para os mais altos escalões do Exército e/ou polícia. A ordem poderia ter vindo diretamente de Lucas García, que, segundo se dizia, ficara ofendido por um artigo de Flaquer no La Nación e por sua difamação da Guatemala.

Mas por que seqüestrá-la um dia antes da viagem?

Existem várias teorias a respeito. A primeira é a de que Flaquer seria uma forte porta-voz fora do país, capaz de escrever para publicações estrangeiras. A segunda é que ela sabia muito sobre a Guatemala, sobre a política na Guatemala e sobre a estrutura militar da Guatemala. Outros ainda dizem que Flaquer, tirada do centro da ação e incapaz de escrever para o La Nación, trabalhar com a Comissão de Recursos Humanos e sem possuir mais seus cargos no governo decidira colaborar com as guerrilhas.

Mas se decidira compartilhar sua informação com as guerrilhas, ou com a comunidade de direitos humanos internacionais e a imprensa, Flaquer certamente era uma ameaça à imagem da Guatemala no exterior.

Se sabia que estava correndo risco de vida, por que esperou três meses antes de implorar para ir para a Nicarágua? Disse a algumas pessoas que tinha dívidas a pagar; disse a seu ex-marido que estava esperando notícias dos comandantes nicaragüenses. Mas podia ter pago suas dívidas do exterior e podia, como sugeriu o ex-marido, encontrar os comandantes em qualquer esquina da Nicarágua.

A resposta mais provável é que ela estava esperando por algum tipo de informação. Para Flaquer, jornalista, a informação era a vida.

O governo lamentou sua morte oficialmente. O porta-voz de imprensa do governo, Vielman, declarou que a ação criminal toca a o governo de perto devido aos cargos de Flaquer no governo. Ele disse que a polícia havia realizado uma busca no local onde ela fora seqüestrada mas que não havia encontrado nada. A Associação de Jornalistas da Guatemala pediu que ela fosse devolvida sã e salva. No mesmo dia, condenou o assassinato do jornalista Victor Hugo Pensamiento Chávez.

A tia, o primo e a nora de Flaquer começaram a procurar por corpos. Foram chamados a identificar quatro cadáveres de mulheres no período de dois meses. Quando a tia olhou para os pés pequenos de um cadáver bastante queimado, teve quase certeza de que havia encontrado sua sobrinha. Voltou ao necrotério com um dentista e um ortodentista para confirmar suas suspeitas. Os dentes e o maxilar não eram os de Flaquer.

Depois disso, Mayra Rosales, a nora de Flaquer e viúva de Fernando, começou a receber ameaças anônimas. Como não queria pôr em risco a vida do neto de Flaquer, de quatro anos, as buscas foram interrompidas.

Fernando Valler Arizpe, pai de Fernando e ex-marido de Flaquer, entrou em contato com algumas pessoas no Exército para tentar encontrar a mulher desaparecida. Um militar que havia sido seu colega de escola finalmente lhe avisou que deixasse de fazer perguntas senão toda sua família seria assassinada. Ele também parou de realizar buscas e de fazer perguntas.

Depois que o general Efraín Ríos Montt assumiu o poder, um artigo do exilado guatemalteco José Calderón, no Excelsior, da Cidade do México, afirmou que Flaquer tinha sido vista viva, louca e tremendamente envelhecida, em uma prisão no sótão da casa de Donaldo Alvarez, na Cidade da Guatemala.

A família ligou imediatamente para o México. Calderón, falecido em 1996, esclareceu que ele pessoalmente não havia visto Flaquer, mas que "algumas fontes" haviam informado tê-la visto viva. Quem eram essas fontes?, imploraram que revelasse. Como poderiam encontrá-las? Calderón não ofereceu respostas.

A família ficou furiosa. Já haviam se conformado com a morte de Flaquer. Fernando Valle, que é arquiteto, lembrou-se de que a casa de Alvarez não tinha sótão. Mais tarde, um juiz emitiu um documento judicial, atestando a não-existência de tal prisão secreta. Entretanto, nem jornalistas nem outras pessoas puderam estar presentes quando a casa foi inspecionada.

Atualmente, são três as hipóteses que circulam a respeito do seqüestro e provável morte de Flaquer.

A primeira, defendida na época pela embaixada americana, acusava a guerrilha do seqüestro. Isso parece bastante improv á vel. As guerrilhas não teriam sido capazes de sustentar a vigilância pública de sua casa nem a operação de estilo militar que foi o seu seqüestro. Essa teoria não condiziria com a subseqüente intimidação de sua família pelo Exército quando procuravam encontrar o corpo. Além disso, se as guerrilhas tivessem seqüestrado e, como é provável, assassinado Flaquer, eles provavelmente teriam alardeado a proeza e denunciado as vítimas por traição ou duplicidade. Isso seria um padrão incomum. O ex-embaixador americano na Guatemala, Frank Ortiz, diz que não acredita mais que as guerrilhas estivessem envolvidas no crime Flaquer.

A segunda versão aponta como responsável o ministro do Interior, Alvarez. Essa estória é influenciada pela reportagem no Excelsior, e em parte por sua reputação como uma figura de poder implacável no regime Lucas García. Defensores dessa teoria, informados sobre suas repetidas tentativas de salvar Flaquer, dizem simplesmente que quando ele não pôde tirá-la do país, decidiu matá-la. Mas a hipótese de que Alvarez tenha sido o mentor da morte de Flaquer parece improvável, tanto por causa de laços de família quanto pelo que parece ter sido uma tentativa sincera de ajudá-la.

A terceira hipótese é a de que o Comando Presidencial Geral, em conjunto talvez com o chefe da Polícia Nacional, Chupina tomou a decisão de seqüestrar Flaquer. Alvarez pode ter sabido quem era o mentor intelectual do crime, mas não participou diretamente de seu planejamento e execução.

CRONOLOGIA: IRMA FLAQUER AZURDIA

1958:
Irma Flaquer Azurdia é espancada por três furiosas mulheres feirantes, aparentemente como represália a algo que escreveu. O diretor do La Hora, Clemente Marroquín, a contrata. Ela começa a escrever sua coluna "O que os outros calam."

1966-1970:
Flaquer trabalha como secretária de imprensa para Sara de Méndez Montenegro, esposa do presidente César Méndez Montenegro. Continua a escrever suas colunas para o La Hora.

1970:
Flaquer fica seriamente ferida quando uma granada de mão é lançada em seu carro. Submetida a várias cirurgias, nunca recuperou completamente a audição no ouvido esquerdo e ficou com o corpo cheio de estilhaços. Por razões de segurança, seu filho mais novo, Sergio Valle Flaquer, nascido em 1957, é enviado para Israel para viver em um kibbutz.

1971-1980:
Ela escreve um livro, "A las 12:15 El Sol", no qual perdoa seus agressores. Inicia uma coluna para o La Nación, trabalhando com o editor Roberto Girón Lemus. Continua a escrever para o La Nación, onde se torna editora assistente.

31 de janeiro:
Camponeses militantes e estudantes tomam a embaixada da Espanha. Trinta e um manifestantes, assim como funcionários do governo e diplomatas estrangeiros, morrem quando a embaixada é invadida e incendiada. Flaquer fica revoltada e envia cópia da gravação do incidente para uma estação de rádio européia.

Fevereiro:
Aumentam as ameaças a Flaquer. Ela forma uma comissão de direitos humanos, que inclui membros como o líder trabalhista Israel Márquez e o ex-militar coronel José Luis Cruz Salazar.

Julho:
A Comissão de Direitos Humanos é dissolvida e seus membros, com exceção de Flaquer, se exilam.

23 de agosto:
Flaquer liga para o padre jesuíta guatemalteco César Amann, na Nicarágua. Diz-lhe que quer partir imediatamente.

Data imprecisa:
O ministro do Interior, Donaldo Alvarez Ruiz, avisa Flaquer que ela está correndo risco de vida.

Início de outubro:
Alvarez diz a Fernando Valle Avispe, ex-marido de Flaquer, que a avise de que sua vida está em perigo e que ele não pode fazer nada para protegê-la se ela não abandonar o país.

16 de outubro 1980:
Flaquer é seqüestrada e nunca mais é vista. Seu filho, Fernando Valle Flaquer, é ferido durante o seqüestro e morre algumas horas depois no hospital.

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